INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA
1- Introdução
A propriedade privada evolui do sentido individual para o social. Não é mais absoluta. Seu uso, gozo, fruição e disposição não podem opor-se aos interesses gerais.
Mesmo em nosso Pais que a CF assegura a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, a liberdade, à segurança e à propriedade, ela está condicionada a uma função social (CF art. 170, III)
Aquela propriedade privada, oponível contra todos e contra o próprio Estado, já não existe, e para realizar o bem comum pode o Estado nela intervir, valendo-se de diversos institutos.
A Constituição Federal assegura o direito à propriedade, conforme disposto no art. 5.º. É um direito individual, sendo, portanto, cláusula pétrea.
· Art. 5.º, inc. XXII: é garantido o direito à propriedade.
· Art. 5.º, inc. XXIII: a propriedade atenderá a sua função social.
Em seu art. 170, a Constituição Federal estabelece que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II – propriedade privada; ...”
O direito à propriedade tem limites, sendo condicionado ao bem estar da sociedade e devendo ser respeitado como direito fundamental e como direito da atividade econômica.
A propriedade, embora protegida pela Constituição Federal, deverá satisfazer às necessidades da sociedade.
A Constituição Federal define o que seja função social:
· Propriedade urbana – art. 182, § 2.º, da CF: “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” – plano diretor (art. 182, § 1.º, da CF) é o documento legal que estipulará as regras para o desenvolvimento ordenado de uma sociedade, de uma cidade. Deverá conter: demarcação de zona de proibição de construção; zona de indústria; zona de residência; zona comercial; zona de tombamento e outras situações.
· Propriedade rural – art. 186 da Constituição Federal: a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente e segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
- aproveitamento racional e adequado da propriedade (caráter subjetivo);
- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (caráter subjetivo);
- observância das disposições que regulam as relações de trabalho (caráter subjetivo);
- exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e também dos trabalhadores.
2- Conceito de Intervenção na Propriedade
A intervenção na propriedade privada pode ser conceituada como sendo toda ação do Estado que, compulsoriamente, restringe ou retira direitos dominiais do proprietário.
Segundo Hely Lopes Meirelles: “ entende-se por intervenção na propriedade privada todo ato do Poder Público que, compulsoriamente, retira ou restringe direitos dominiais privados, ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público”.
3- Modalidades
Hoje, no direito brasileiro, podem ser indicadas as seguintes modalidades de restrição do Estado sobre a propriedade privada, cada qual afetando de modo diverso o direito de propriedade:
a. Limitação administrativa;
b. Ocupação temporária;
c. Requisição administrativa;
d. Tombamento;
e. Servidão administrativa;
f. Desapropriação.
A. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
CONCEITO: Limitações administrativas são constituídas por normas gerais e abstratas, com fundamento no poder de polícia, atingindo proprietários indeterminados, principalmente em seu direito de construir. A limitação administrativa representa uma restrição ao caráter absoluto da propriedade.
DEVER DE INDENIZAR. A limitação administrativa não impõe dever de indenizar ao Estado, porque sujeitos atingidos são indeterminados. Ex.: não poder construir acima de oito andares à beira-mar.
B. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
CONCEITO. Servidão administrativa é um direito real sobre coisa alheia, atingindo o caráter exclusivo da propriedade. Apesar de “direito real” implicar perpetuidade, a servidão administrativa é relativamente perpétuo, dependendo do interesse público.
DEVER DE REGISTRO. Há três origens possíveis para a servidão administrativa: (i) lei, (ii) decisão judicial e (iii) acordo. A servidão exige, em regra, o registro, a fim de proteger terceiros de boa-fé; o registro cumpre dever de publicidade, que a lei já cumpre, dispensando o registro. O dever de registro persiste em casos de decisão judicial e acordo.
FINALIDADE. A servidão tem como fim a prestação de um serviço público, atingindo um proprietário determinado no caráter exclusivo de sua propriedade.
RELAÇÃO DE DOMINAÇÃO. Lembre-se a servidão no direito civil: propriedade dominante (a que usa outra propriedade) e serviente (a que é utilizada por outro). Na servidão administrativa, a relação de dominação não se dá entre propriedades, entre um bem sobre o outro, mas entre o serviço prestado pelo Estado (dominante) e um bem (serviente).
TRÊS DIFERENÇAS ENTRE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA E CIVIL: (i) regime jurídico (uma é regida pelo direito administrativo e a segunda pelo direito civil); (ii) interesse (uma protege interesse público e a outra protege interesse privado); (iii) relação de dominação (serviço sobre bem na primeira e bem sobre bem na segunda).
INDENIZAÇÃO. Há dever de indenizar apenas quando se comprove dano, sob pena de enriquecimento ilícito.
C. REQUISIÇÃO
CONCEITO. Intervenção na propriedade quando existir iminente perigo. Exemplo: requisição de galpão para acomodar desabrigados de enchente. Não há alteração da titularidade, mas se atinge o caráter exclusivo.
INDENIZAÇÃO. Imagine-se que requisição para desabrigados impediu locação da propriedade. Assim, havendo dano, há dever de indenizar, a ser cumprido após a utilização.
Imagine-se que há requisição de frangos e roupas de comerciantes; há perda de titularidade do bem em específico, trata-se de desapropriação? NÃO, doutrina entende que, mesmo perdendo titularidade, por serem bens fungíveis e móveis, é requisição mesmo. Exceção: bens infungíveis (roupas pessoais, por exemplo).
D. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA
Restrição ao caráter exclusivo da propriedade.
HIPÓTESES, principalmente duas:
(1) Hipótese mais comum: terreno não edificado ao lado de obra pública, que seja utilizado para guardar os materiais da obra. Todos esses aspectos devem ser respeitados para se permitir a ocupação temporária. Ver: Decreto-lei nº 3.365/41, art. 36.
(2) Antigamente, por razão de suspeita de riqueza mineral ou parque arqueológico, Estado desapropriava e pesquisava, arcando com prejuízo caso nada encontrasse. Hoje, prefere-se ocupar temporariamente para confirmar suspeita e, só depois, desapropriar. Ver Lei 3.924/61.
INDENIZAÇÃO. Se Estado ocupou por anos, impedindo de alugar e causar dano, então cabe.
D. TOMBAMENTO
CONCEITO. O tombamento é todo regulamentado pelo Decreto- lei nº 25/37 e consiste na conservação da identidade de um povo. Há quatro tipos de tombamento: patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico, que representam limitações perpétuas à propriedade, em seu aspecto absoluto.
OBRIGAÇÕES decorrentes do tombamento:
(1) CONSERVAÇÃO é a principal obrigação, que implica manter características do que se tomba, além da
(2) obrigação de NÃO DANIFICAR. Qualquer reforma depende de autorização prévia do poder público, vez que se pode incorrer em dano ao patrimônio tombado, criminalmente punível. Ainda que não tenha recursos para conservar, deve o proprietário comunicar ao Estado, que arcará em tese com os custos.
(3) NÃO SAIR DO PAÍS. Bem tombado (bem móvel pode ser tombado) não pode sair do país, a menos que por curto prazo de tempo. A exportação é vedada.
(4) TOLERAR FISCALIZAÇÃO.
(5) VIZINHO não pode prejudicar a visibilidade do patrimônio tombado, como placas e cartazes.
POSSIBILIDADES. Tipos de tombamento:
(i) Sobre bem móvel ou imóvel.
(ii) Sobre bem público ou privado.
(iii) Sobre bens determinados ou indeterminados (todos os imóveis pertencentes a certo bairro ou cidade).
(iv) Voluntário ou obrigatório.
(v) Provisório, enquanto estiver em andamento o processo de tombamento, ou definitivo.
No próximo tópico, iremos abordar a outra forma de intervenção no Estado: a Desapropriação
Blog : "Estudando A Lei"
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