Abuso de Direito.
Excludentes da Responsabilidade Civil.
Para facilitar a indenização, surge a ideia do abuso de direito:
· abuso de direito é ato ilícito.
O exercício regular do direito não gera responsabilidade civil (não é ato ilícito), ainda que possa causar dano, como uma concorrência saudável, que não seja desleal, mas ainda assim diminua para um dos lojistas o seu lucro.
Na legítima defesa é possível causar dano a outrem – art. 188, II CC/2002. E aqui não há ato ilícito (desde que a defesa seja imediata e moderada).
No direito de vizinhança os vizinhos devem suportar incômodos (barulhos razoáveis, por ex.), sem direito a pedir indenização.
Um prédio (guardando a distância necessária) pode construir janela que retire parte da privacidade do prédio vizinho (1.301, CC).
Em sentido contrário, se o exercício é abusivo, irregular, o ato é ilícito. O fundamento está no art. 187 do CC.
Às vezes o exercício do direito é abusivo e é ilícito, mesmo sem contrariar disposição expressa de lei. Quando o agente atua dentro de seu direito, mas abusivamente, prejudicando terceiro, há abuso de direito, caracterizando o ato ilícito. E então deve indenização.
No séc. XIX, os direitos fundamentais eram vistos como absolutos. Valia a regra de que agindo dentro de seu direito não se causava prejuízo.
Mas com o tempo os atos praticados com o visível espírito de prejudicar terceiros passam a ser suscetíveis de indenização Se o propósito é de fazer mal a outrem, deve gerar responsabilidade civil.
Há julgado de 1902 condenando proprietário de fontes que sem necessidade esgota-as em seu terreno, privando os vizinhos da água, a pagar indenização O proprietário de uma nascente tem direito à água, mas se com o exercício deste direito desperdiça para prejudicar os vizinhos, age abusivamente.
Ex. da jurisprudência (histórico) – vizinho do construtor de dirigíveis para obrigar o construtor a comprar o seu imóvel, nele constrói grandes pilastras de madeira com pontas de ferro, de forma que as aeronaves colidiriam e se destruiriam. O proprietário pode construir em seu terreno o que quiser, mas se o intuito for prejudicar terceiro, deve reparar – a condenação foi de reparar danos pela destruição de uma aeronave, e ainda remover os obstáculos.
Médico já foi punido porque no uso de seu direito de propriedade utilizava aparelho de radiotermia que emitia ondas parasitas, que impediam o funcionamento de aparelhos radiofônicos expostos à venda na loja vizinha. O dono da loja por 2 anos não pôde mostrar aos clientes os aparelhos que queria vender, ligados. Assim, perdeu parte da clientela e pediu indenização A condenação ocorreu, pois o médico com pequenas despesas podia evitar o prejuízo.
· A teoria do abuso de direito surge na França na jurisprudência, e os primeiros escritos vêm na primeira década do séc. XX.
· O Cód. Civil alemão de 1896, que entrou em vigor em 1900, no §226 acolhia a ideia de abuso de direito, ao proclamar que “o exercício de um direito é inadmissível se ele tiver por fim, exclusivo, causar dano a outrem”.
· O abuso ocorre quando o indivíduo age dentro de suas prerrogativas sem respeitar os fins sociais do direito subjetivo, causando dano a outrem ao utilizá-lo. Assim, mesmo sem violar os limites objetivos da lei (ou do contrato), desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que a norteia, e deve reparar.
· A matéria existia no CC/1916 com interpretação do art. 188, I, segunda parte (a contrário sensu).
Ex.: no exercício do direito de defesa o réu não pode abusar com recursos procrastinatórios.
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Já se criticou o uso da expressão abuso de direito, porque ou é exercício de direito ou é ato ilícito, por prejudicar terceiro. Mas a expressão é boa porque às vezes não há lei expressamente vedando o ato, mas por ser este abusivo enseja responsabilidade civil.
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A responsabilidade por abuso de direito é subjetiva ou objetiva? Depende de dolo ou basta a culpa stricto sensu, no caso de ser subjetiva?
A Teoria da responsabilidade objetiva pode ser aplicada. Conforme art. 5º, LICC – na aplicação da lei o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
· No CC, art. 187: comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Obs.: o abuso de direito pode ocorrer dentro ou fora do contrato.
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Cls.
A teoria do abuso de direito surge na jurisprudência e tem a finalidade de aumentar os casos de reparação do dano.
· O abuso do direito não gera apenas a responsabilidade civil de indenização (reparar pecuniariamente o prejuízo experimentado pela vítima) – pode ser que haja outra penalidade. Ex.: perda do poder familiar para o pai que abusa do seu direito, proibindo o filho de praticar esporte ou visitar os avós maternos. Ex.: exclusão da sociedade do sócio minoritário que sem nenhuma razão se recusa a assinar alteração do contrato social que em nada o prejudica.
· Então o abuso de direito faz efeito fora do campo da responsabilidade civil. É possível além da indenização pedir que cesse o abuso.
· Matéria no CC/1916 – art. 160, I – “não constitui ato ilícito o exercício regular de um direito reconhecido” (a contrário sensu, o exercício irregular do direito constitui ato ilícito).
· Então não precisa agir em desacordo com a lei para ser obrigado a reparar um dano – basta atuar dentro da órbita do seu direito subjetivo, desatendendo à finalidade social para a qual tal direito foi concedido.
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Exclusão da responsabilidade:
a) culpa exclusiva da vítima.
Obs.: a concorrência da vítima (vítima que atravessa fora da faixa e o carro que a atropela está em alta velocidade) não exclui a responsabilidade, mas a diminui (ameniza-se a indenização).
b) caso fortuito - fenômeno natural (raio, tempestade, enchente). Elimina a culpa, não depende da vontade do agente.
c) força maior - coação irresistível (ato de autoridade, alguém empurra a mão de outrem na arma, doença). Exclui a responsabilidade por não envolver culpa, vontade do agente.
** caso fortuito e força maior: elemento objetivo ou interno - inevitabilidade do evento; elemento subjetivo ou externo - ausência de culpa do agente do dano.
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RESPONSABILIDADE OBJETIVA
NÃO DEPENDE DA CULPA, esteia-se na teoria do risco.
Aqui bastam: ação ou omissão do agente, nexo causal e dano. A culpa não é elemento da obrigação de reparar o dano.
O desenvolvimento das máquinas e da potência dos veículos e o crescimento populacional são fatores que, entre muitos outros, aumentaram o número de acidentes. É preciso garantir que a vítima será indenizada. Uma boa forma de se garantir isto é com a difusão do seguro, que já mencionamos. Aumenta-se com a teoria objetiva a possibilidade de indenização, isentando a vítima de provar a culpa do agente causador do dano.
· O art. 927 do CC admite genericamente mas com importantes restrições a responsabilidade sem culpa (ideia de risco), como veremos.
A regra geral (art. 186 do CC) é que a responsabilidade civil é subjetiva, depende de culpa. A responsabilidade civil objetiva decorre da lei e da determinação judicial, quando se percebe que a atividade do agente causador do dano é lucrativa e potencialmente lesiva para a sociedade.
Teoria do risco (ou responsabilidade objetiva, legal):“todo dano é indenizável por quem se liga a ele pelo nexo de causalidade, independentemente da culpa”.
Aqui a culpa é dispensável ou presumida por lei. Ex.: presunção de culpa do dono do animal que causa algum prejuízo.
História – Primitivamente a responsabilidade entre os romanos era objetiva, mas não se fundava no risco, como ocorre hoje. A ideia era a da vingança. Depois, no direito romano, a responsabilidade evoluiu para sair da ideia de vingança e tratar da indenização só em caso de culpa. Não se voltou à ideia de vingança, mas fala-se hoje da teoria da responsabilidade objetiva por conta do risco, para deixar melhor protegida a vítima.
A ideia de ressurgimento da responsabilidade objetiva aparece na segunda metade do séc. XIX, na Itália, Bélgica e outros países, principalmente França, e até no Brasil. O CC/1916, no art. 159, adota como regra geral a responsabilidade subjetiva, mas em artigos esparsos admite a responsabilidade objetiva (ex.: do dono do animal, do dono do prédio em ruína e do dono da casa de onde caem objetos – art. 1527, 1528 e 1529; responsabilidade por ato lícito praticado em estado de necessidade; art. 1530 e 1531: responsabilidade do credor que demanda o devedor antes do vencimento da dívida ou por dívidas já pagas). A jurisprudência também tratou de consolidar casos de responsabilidade objetiva: ex.: do patrão por ato danoso do empregado (Súm. 341 do STF) e dos guardas de coisas inanimadas. Também a CF e leis esparsas trataram da responsabilidade objetiva:
1. responsabilidade objetiva do Estado.
· A responsabilidade objetiva do Estado é determinada no art. 37, §6º da CF – para a doutrina a responsabilidade objetiva do Estado só existe em caso de ato comissivo, pois na omissão é preciso que a vítima prove que o Estado deveria ter feito o que não fez (ninguém pode ser responsabilizado por não ter feito algo, a menos que se prove que o agente deveria ter feito o que não fez – Celso A. Bandeira de Mello).
A responsabilidade do Estado por atos de seu agente é responsabilidade patrimonial por ato de terceiro (a expressão responsabilidade civil permaneceu mas refere-se à responsabilidade da pessoa física, que era a única a responder por seus atos – no início havia a irresponsabilidade do Estado por atos de seus agentes).
2. Acidentes do Trabalho: o patrão só responde se tiver culpa (responsabilidade civil subjetiva), mas responde objetivamente pela não contratação do seguro.
3. Cód. Brasileiro de Aeronáutica – Lei n.º 7565, de 19/12/1986, art. 268. Só se exclui a responsabilidade por culpa exclusiva da vítima, por falta de nexo causal entre a atividade e o dano, ou se a aeronave era operada por terceiro não preposto (sequestrador), entre outras hipóteses do §2º do art. 268 da Lei.
4. Estradas de ferro – Dec. 2681/12 (art. 26) – responsabilidade por danos causados aos proprietários marginais. Ex.: se escapa fagulha da chaminé do trem e pega fogo na plantação de alguém, a estrada de ferro deve reparar, mesmo sem culpa. Só escapa de indenizar se provar culpa da vítima (ex.: proprietário é culpado porque descumpriu a lei e plantou em lugar proibido, à beira da estrada).
Aqui se pode provar a força maior que faz cessar a responsabilidade.
5. CDC – art. 12 e 14. Responsabilidade objetiva pelo produto ou serviço. O produtor responde pessoalmente pelos danos causados pelo produto – art. 28.
Obs.: a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva (art. 14, §2º do CDC) – deve ser provada a culpa.
6. Responsabilidade de quem explora atividade nuclear – art. 21, XXIII, d da CF (exploradores são concessionários ou permissionários da União). A Lei nº 6.453, de 17.10.77 (responsabilidade por danos nucleares) já trazia tal regra, no art. 4º.
Art. 21, XXIII, d da CF (alínea acrescida pela Emenda Constitucional 49, de 8.2.2006): “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.”
7. Responsabilidade criada pela lei antitruste, nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Tal lei pune as infrações contra a ordem econômica, seguindo os ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa do consumidor, repressão ao abuso do poder econômico. O art. 21 da Lei arrola os atos considerados infrações à ordem econômica (aumento excessivo de preço, restrição da livre concorrência etc.). Art. 20 – a responsabilidade do infrator é objetiva.
Conclusões:
a) a regra é a da responsabilidade subjetiva, mesmo no CC novo, conforme opinião de Carlos Roberto Gonçalves, Silvio Rodrigues e Miguel Reale. Mas isto não impede que em certos casos adote-se com autorização da lei (ou do Judiciário) a responsabilidade objetiva, para garantir a indenização do dano causado por agente que pratica atividade lesiva, que envolva risco – porque o agente assume o risco da atividade de que tira proveito, atividade esta que está sob o seu controle.
b) Conforme art. 927, parágrafo único, CC – “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem”.
Então a obrigação de reparar o dano não depende de culpa quando: b.1) a lei especificar, como nos casos que analisamos; b.2) o autor do dano, através de sua atividade, cria risco para terceiro (aquele que tira proveito de atividade danosa, que deve controlar, cria risco, e deve reparar o dano por ela causado mesmo sem culpa – ubi emolumentum, ibi onus).
Então o CC/2002 aumenta os casos de responsabilidade civil (objetiva), deixando ao critério de equidade do Judiciário as indenizações decorrentes de atos não culposos. O juiz ou tribunal analisará o caso para julgá-lo não só conforme o direito estrito, mas também, indiretamente, por equidade.
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RESPONSABILIDADE SUBJETIVA (teoria da culpa, teoria clássica, em que a culpa é elemento da responsabilidade civil, teoria subjetiva) – DEPENDE DA CULPA, depende do comportamento do sujeito, do dolo, ou da negligência ou imprudência. Vimos anteriormente a ideia da culpa (grau, conceito etc.).
Responsabilidade objetiva e subjetiva não são maneiras diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diversas de encarar a obrigação de reparar o dano.
*Pela teoria do risco, que é a regra da responsabilidade objetiva, aquele que através da sua atividade cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que o seu comportamento e a sua atividade sejam isentos de culpa.
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Obs.: A responsabilidade extracontratual do incapaz (responsabilidade sem culpa no CC/2002).
O menor púbere tem responsabilidade civil extracontratual; o menor impúbere não (os pais respondem, há responsabilidade por ato de terceiro).
O art. 928 do CC/2002 inovou a ordem anterior: o incapaz responde pelo dano causado a terceiro se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meio suficiente. Parágrafo único – a indenização é equitativa, para não privar o incapaz ou pessoas que dele dependam, do necessário.
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Dano causado em estado de necessidade (responsabilidade sem culpa – por ato lícito).
O ato lesivo causado em estado de necessidade (assim como a legítima defesa e o exercício regular de um direito) não é ilícito, mas seu agente responde perante o lesado, mesmo que tenha praticado o ato para evitar prejuízo maior. Depois, o autor do dano causado em estado de necessidade pode pedir de quem deu origem ao estado de necessidade a devida indenização – art. 160 e 1.519 do CC/1916.
O CC/2002 manteve a orientação, nos art. 188, 929 e 930. Esta solução desencoraja o ato de remoção de perigo em estado de necessidade, pois quem remove perigo e causa dano a outrem deve reparar, e depois entrar com a regressiva contra o causador do estado de necessidade.
RESPONSABILIDADE CIVIL, Professor Helio Thurler
Professor Helio Thurler |
Blog : "Estudando A Lei"
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