Das modalidades das obrigações (dar, fazer e não fazer)
Modalidades – modos como se apresentam as obrigações.
AS OBRIGAÇÕES PODEM SER DE DAR, FAZER OU NÃO FAZER.
Da obrigação de dar.
Conceito: a obrigação de dar consiste na entrega de algo, na tradição de uma coisa pelo devedor ao credor.
A obrigação de dar pode envolver coisa certa ou incerta.
Coisa certa – na obrigação de dar coisa certa o devedor se compromete a entregar objeto perfeitamente determinado, especificado. Ex.: um cavalo de corrida, uma joia – só pode dar outra coisa se o credor aceitar. A obrigação abrange os acessórios.
Coisa incerta – na obrigação de dar que tem como objeto coisa incerta determina-se apenas o gênero a que a coisa pertence, e a quantidade. Neste caso há duas peculiaridades: vantagem a credor, já que o gênero não pode perecer; e a escolha no momento da entrega (analisaremos com detalhes adiante).
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Obrigação de dar e de restituir.
Na obrigação de dar, o credor não é o dono da coisa.
Ocorre que a situação pode ser de restituição, em que o credor é o dono da coisa. Ex.: a obrigação do depositário, do locatário ou do comodatário.
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Da transferência do domínio na obrigação de dar.
A transferência da propriedade na obrigação de dar não ocorre com o contrato, mas com a tradição (coisa móvel) ou com o registro do título translativo no Registro Imobiliário (transferência de domínio de coisa imóvel).
É importante saber o momento da transferência da propriedade porque se aplica a regra de que a coisa perece ou se deteriora para o dono (res perit domino).
Assim podemos examinar o destino da obrigação em face do perecimento ou deterioração da coisa:
a) Se a coisa perece por culpa do devedor:
O credor resolve o contrato e exige perdas e danos, além de responder, o devedor, pelo equivalente à coisa.
b) Se a coisa se se deteriora por culpa do devedor:
O credor ou resolve o contrato exigindo perdas e danos; ou aceita a coisa no estado em que se encontra, reclamando a composição do prejuízo. A obrigação persiste, alterada por causa da deterioração.
c) Se a coisa perece sem culpa do devedor:
A obrigação de dar ou restituir se desfaz.
d) Se a coisa se deteriora sem culpa do devedor:
d.1) obrigação de dar – o credor resolve a obrigação, ou aceita a coisa abatido no preço o valor do estrago.
d.2) obrigação de restituir - o credor só pode reclamar a coisa deteriorada no estado em que se encontre.
Dos riscos: “res perit domino”.
Risco na obrigação de dar ou restituir frustrada:
Perda ou deterioração do objeto antes da tradição, sem culpa do devedor (se houver culpa, há responsabilidade – art. 389, CC).
a) Obrigação de dar; perda da coisa objeto da prestação. Ex.: animal foi morto antes da entrega.
As partes retornam ao “status quo”. O vendedor devolve o preço eventualmente pago e sofre o prejuízo. O vendedor é o proprietário (antes da tradição) e sofre o prejuízo.
b) Obrigação de dar; deterioração da coisa:
O credor aceita a coisa, abatido do preço o valor que se perdeu; ou o credor desfaz o negócio e recebe de volta o preço que pagou. O dono (devedor) sofre o prejuízo.
c) Obrigação de restituir; perda da coisa:
O credor (dono da coisa) sofre a perda e a obrigação se resolve.
d) Obrigação de restituir; deterioração da coisa:
O devedor entrega a coisa no estado em que se encontra e o credor (dono da coisa) sofre o prejuízo, não tem direito a indenização.
Sempre: o dono é quem sofre os prejuízos pela perda ou deterioração da coisa – “res perit domino” – a coisa perece para o proprietário.
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Os acessórios da coisa na obrigação de dar.
Se a coisa perece ou se deteriora para o dono, é certo que também acresce em favor do dono.
O domínio só se transfere com a tradição. Então, antes da tradição, acréscimos são do dono (devedor, na obrigação de dar; credor, se a obrigação for de restituir). Ex.: cria da rês, frutos etc. Melhoramentos e acrescidos são acessórios do principal, seguem-lhe o destino. Assim, o proprietário pode requerer aumento de preço, na obrigação de dar, para entregar também o fruto.
Frutos percebidos são do devedor e pendentes do credor.
O credor é o dono e se beneficia com o melhoramento da coisa mesmo na obrigação de restituir. Deve ser ressarcido o devedor das despesas para o melhoramento.
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Benfeitorias – aqui é preciso analisar se o possuidor estava de boa fé ou não. Ao restituir a coisa, será o devedor reembolsado das benfeitorias úteis e necessárias se estava de boa-fé; e apenas das necessárias se estava de má-fé.
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Na execução da obrigação de dar coisa certa, a princípio o credor pode exigir a coisa. Apenas se for impossível exigir a coisa em espécie (ex.: perecimento do animal), exige-se as perdas e danos.
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Obrigação de dar coisa incerta: indica-se gênero e quantidade.
O objeto é indeterminado, mas determinável. Se não fosse determinável, não poderia ser cumprida a obrigação.
Na obrigação de dar coisa incerta não se fala em perecimento da coisa, pois o gênero não perece (“genus non perit”). Tal fato representa vantagem para o credor.
A individualização se faz pela escolha, que é o ato de seleção das coisas constantes do gênero, para entrega ao credor. Com a escolha, a obrigação de dar coisa incerta se transforma em obrigação de dar coisa certa, seguindo as regras desta.
Problemas:
a) Quem escolhe: as partes estipulam quem escolhe. Mas se não estipularem, a escolha é prerrogativa do devedor.
b) Como se faz a escolha: o devedor não pode dar o pior e nem é obrigado a dar o melhor. Então, se as partes convencionarem que o credor escolhe, é porque renunciam à prestação de coisa média (nem o melhor e nem o pior). E o credor pode escolher a nata do gênero (o melhor).
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Da obrigação de fazer.
Conceito: na obrigação de fazer, o devedor se vincula a determinado comportamento, que consiste em praticar um ato, do que decorre vantagem ao credor. Pode ser trabalho físico ou intelectual.
Ex.: professor que deve dar uma aula; empreiteiro que deve construir a casa; escritor que deve fornecer artigos ao jornal; proprietário que se propõe a outorgar contrato definitivo etc.
Diferença entre obrigação de fazer e obrigação de dar:
A obrigação de fazer pode envolver entrega de algo, mas não se confundem obrigação de fazer com obrigação de dar.
A obrigação de dar envolve principalmente a entrega de coisa. A obrigação de fazer envolve atividade e tem na entrega uma consequência, um complemento da prestação principal, que é a própria execução da tarefa (física ou intelectual).
A obrigação é de fazer se o dar ou entregar é consequência do fazer (o devedor tem de confeccionar a coisa e depois entregá-la). Se não, a obrigação é de dar.
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Espécies de obrigação de fazer:
Obrigação infungível: o negócio se estabelece “intuitu personae”, pois o credor só visa à prestação avençada, se fornecida pelo próprio devedor, que tem qualidades personalíssimas. Ex.: uma atriz, um pintor, certa bailarina, determinado fiador, ou determinado locatário – o credor só aceita aquele.
Obrigação fungível: são aquelas em que a pessoa do devedor não figura com relevância. Ex.: credor encomenda a limpeza do seu carro, ou a construção de um galinheiro no seu quintal. O devedor se desincumbe da obrigação realizando a tarefa ou mandando que alguém o faça em seu lugar.
Para que a obrigação seja infungível, as partes devem fazer constar expressamente; ou a natureza da obrigação não aceita interpretação diversa, por conta das circunstâncias que rodeiam o negócio. Ex.: se a contratação é de certo cantor famoso, importante, por suas qualidades personalíssimas, é certo que não se aceitará outra pessoa em seu lugar para o cumprimento da prestação.
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Consequências do descumprimento das obrigações de fazer
1. Quando a prestação não é cumprida por culpa do devedor.
2.1.Obrigação infungível: o credor não pode obrigar o devedor a fazer, por causa da liberdade individual. Ex.: a bailarina não pode ser obrigada a dançar, o pintor não pode ser obrigado a pintar etc. Não é possível, então, a execução compulsória da obrigação. Ninguém pode ser compelido a prestar um fato contra a sua vontade. O credor pode requerer perdas e danos.
2.2.Obrigação fungível: o credor pode requerer perdas e danos, ou a execução da tarefa por terceiros, à custa do devedor faltoso. Ex.: empreiteiro não executa a obra – o credor requer perdas e danos, ou a execução da obra (por 3º), à custa do devedor faltoso.
Obs.: Nos dois casos o credor deve recorrer às vias judiciais. Não pode o credor mandar terceiro executar a tarefa sem autorização judicial, para que fique comprovada a recusa do devedor e se alcance aprovação da substituição pretendida. O art. 249, parágrafo único, CC, estabelece que não é necessária a autorização judicial para que terceiro execute a tarefa ás expensas do devedor em caso de urgência.
2. Sem culpa do devedor: a obrigação se resolve (se extingue). O devedor devolve, se for o caso, o que já recebeu. Ex.: vendedor (devedor) não pode outorgar escritura definitiva de venda e compra porque o prédio for desapropriado; ou o artista (devedor) adoece às vésperas do espetáculo.
O prejuízo é atribuído ao caso fortuito ou a força maior (ao acaso).
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Da execução da obrigação de fazer.
O devedor será citado para cumpri-la no prazo que o juiz lhe assinar, se outro não estiver determinado no título executivo.
O credor pode requerer perdas e danos (indenização) ou o cumprimento da obrigação, como já dissemos.
Para que o credor peça a execução da tarefa por terceiro, deve requerer autorização judicial, salvo hipótese de necessidade e urgência, em que o credor contrata terceiro para o cumprimento da prestação, em lugar e á custa do devedor.
Obs.: a obrigação de fazer infungível, quando não cumprida, resulta apenas em perdas e danos, pois não pode ser forçado o devedor a uma tarefa que não pode ser desempenhada por terceiro.
Da execução direta da obrigação de prestar declaração de vontade
Tal espécie de obrigação de fazer, que consiste em prestar declaração de vontade, embora infungível, não constrange a liberdade do devedor quando da sua execução em espécie. Trata-se de uma exceção. A obrigação de fazer é infungível, mas o devedor pode ser obrigado à prestação, sob pena de o juiz suprir, por sentença, a falta da sua declaração de vontade.
Ex.: o vendedor em contrato preliminar de compromisso de venda e compra de bem imóvel se obriga a outorgar contrato definitivo ao comprador (ora credor).
Em caso de descumprimento, o juiz, através da sentença, substitui a declaração que deixou de ser externada (art. 466-A, CPC/1973, cf. Lei n. 11.232, de 22/12/2005, em vigor desde 23/6/2006. Art. 501 do CPC/2015).
Obs.: a sentença só substitui a declaração quando transita em julgado.
Art. 463 e 464, CC/02: sobre contrato preliminar – direito de exigir o contrato definitivo. O juiz pode suprir por sentença a vontade do réu (devedor da obrigação de fazer infungível).
RESPONSABILIDADE CIVIL, Professor Helio Thurler
Professor Helio Thurler |
Blog : "Estudando A Lei"
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