Da transmissão das obrigações.
Ônus e crédito podem ser transmitidos a terceiros por seus titulares. Ativo e passivo podem ser cedidos a terceiro, conforme as regras estabelecidas em lei. Em contrato sinalagmático, as partes são reciprocamente credoras e devedoras, e a cessão de contrato implica cessão simultânea de crédito e débito.
O tema é tratado pelo CC/2002 após “modalidades” e antes de “inadimplemento das obrigações”. O CC/1916 não tratava da assunção de dívida e disciplinava a cessão de crédito após tratar de modalidades e efeitos das obrigações.
Da cessão de crédito. Art. 286 e s. do CC.
Conceito – é negócio jurídico em que o credor transfere a terceiro, que não participou da relação jurídica originária, o crédito que tem em relação ao cedido, com todos os seus acessórios, e independentemente da anuência do cedido (devedor).
Quem cede é o cedente; quem adquire o crédito, a título oneroso ou gratuito, o cessionário; o devedor é o cedido.
O crédito é bem como outro qualquer, com valor maior ou menor conforme a maior ou menor capacidade de solvência do devedor. Trata-se de bem incorpóreo que compõe o ativo patrimonial do cedente. Aplicam- se à cessão de crédito onerosa as regras da venda e compra; e à cessão gratuita, as regras da doação.
Cessão de crédito e novação:
São institutos diferentes, porque a novação pode ser objetiva, subjetiva ativa e subjetiva passiva. A novação subjetiva ativa não implica transmissão, ao novo credor, dos acessórios como cláusula penal, fiança, juros. A novação extingue a obrigação anterior, é modo de adimplemento obrigacional pela via indireta, enquanto a cessão de crédito é a transferência da mesma obrigação, com todos os seus acessórios, a terceiro, o cessionário. Não há, na cessão de crédito, extinção de vínculo obrigacional.
Cessão de crédito e sub-rogação:
A cessão de crédito é feita visando ao lucro do cessionário, enquanto na sub-rogação o terceiro, que passa a ser titular do crédito, por ter realizado o seu pagamento, no lugar do credor originário, faz jus aos acessórios do crédito, e recebe exatamente a mesma quantia que desembolsou (não há, na sub-rogação, escopo lucrativo).
Da evolução histórica:
Não havia no direito romano a cessão de crédito, por causa do caráter personalíssimo da relação obrigacional. Não se podia fazer substituir o credor (e nem o devedor). Havia interesse do devedor no caráter personalíssimo do credor, que tinha direito de agir contra a sua pessoa, com direito de escravidão, mutilação e morte. O credor deveria ser paciente e piedoso. A novação, com o ingresso de terceiro na relação obrigacional desde que alcançada a anuência de todos os envolvidos, foi a primeira forma de delegar crédito a terceiro, mas a obrigação originária se extinguia com todos os seus acessórios, e o terceiro, novo credor, não teria por exemplo direito a garantia de fiador.
Surge posteriormente a procuração em causa própria, em que o credor originário transmite seu direito a terceiro, o procurator in rem suam, através de contrato de mandato e com o instrumento da procuração, sem a obrigação de prestar contas ao credor originário (mandante). Esse instituto tinha a desvantagem da revogação do mandato por vontade do credor ou por ocasião de sua morte.
Dos pressupostos de validade da cessão de crédito:
Por ser negócio jurídico, os requisitos de validade estão no art. 104 do CC: agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Além da capacidade requer-se a legitimação para alienar.
O objeto será lícito se a lei, a convenção ou a natureza da obrigação não impedir a cessão de crédito (art. 286 do CC). Não são suscetíveis de cessão, por sua natureza, direitos personalíssimos ou créditos alimentícios (de caráter assistencialista).
Convenção que proíba a cessão de crédito só pode ser oposta ao cessionário de boa-fé se constar do instrumento originário. Cf. art. 286 do CC.
A cessão de crédito é não solene e consensual. Para valer perante terceiro, a cessão depende de escritura pública ou de instrumento particular com as solenidades do §1º do art. 654 – deve ter assinatura de duas testemunhas e registro público.
Para o cedido, devedor, terceiro, não bastam as formalidades supra: e necessária a sua notificação.
A notificação do cedido não visa à sua anuência, mas evitar o pagamento válido ao cedente e possibilitar a oposição ao cedente e ao cessionário de exceções, como pagamento já realizado, compensação, existência de vícios como erro, dolo ou coação. Se não opuser exceção nesse momento, aceitou a cessão e não mais pode opor. Até a compensação, que opera sem necessidade de manifestação das partes, deixa de ocorrer e não pode ser alegada posteriormente pelo cedido, em homenagem à boa-fé do cessionário.
A notificação é prescindível, presumida por lei, quando o devedor, cedido, declarou-se ciente da cessão efetuada em escrito público ou particular.
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O que garante o cedente ao cessionário:
Garante a existência do crédito, do mesmo modo que o vendedor, sob pena de responder por evicção.
Responde pela devolução do que recebeu, com juros e despesas e, diante da má-fé, ainda arca com as perdas e danos caso se prove que não existia o crédito no momento da cessão.
Obs.: É possível, por cláusula expressa em contrato, responder o cedente pela solvabilidade do cedido, com duas limitações, para não prejudicar a necessária álea que equilibra a cessão de crédito: a garantia é de solvabilidade no momento da cessão; e se provada a inexistência da solvabilidade no momento da cessão o cedente restitui apenas o valor recebido pelo cessionário, acrescido de juros e despesas da cessão, e as despesas que o cessionário houver feito com a cobrança (não responde pelo valor que o cessionário receberia do cedido).
O lucro do cessionário é a remuneração pelo risco assumido – se recebesse proveito sem risco ocorreria enriquecimento sem causa, e poderia haver por parte do cessionário empréstimo com elevada taxa de juros, com a garantia de recebimento total a final.
* Não responde o cedente pela existência do crédito se a cessão foi gratuita, pois em contratos gratuitos o autor da liberalidade só responde se agiu de má-fé.
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Crédito penhorado: não pode ser cedido, pois responderá pelas dívidas do credor. A cessão caracterizaria fraude à execução. O devedor intimado da penhora do crédito deve pagar em juízo, sob pena de cumplicidade em fraude e obrigação de novo pagamento.
RESPONSABILIDADE CIVIL, Professor Helio Thurler
Professor Helio Thurler |
Blog : "Estudando A Lei"
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