Professor Luiz Antônio CONTROLE E CONSTITUCIONALIDADE |
1. Normas Constitucionais e sua interpretação
1.1 Normas, regras e princípios
Regras e princípios ("conflito" versus "colisão"). O Direito se expressa por meio de normas. As normas se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência.
Para as regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc..
Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são (Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles).
A diferença marcante entre as regras e os princípios, portanto, reside no seguinte: a regra cuida de casos concretos. Exemplo: o inquérito policial destina-se a apurar a infração penal e sua autoria – CPP, art. 4º. Os princípios norteiam uma multiplicidade de situações. O princípio da presunção de inocência, por exemplo, cuida da forma de tratamento do acusado bem como de uma série de regras probatórias (o ônus da prova cabe a quem faz a alegação, a responsabilidade do acusado só pode ser comprovada constitucional, legal e judicialmente etc.).
Os princípios tem fundamentadora, interpretativa e supletiva ou integradora: por força da função fundamentadora dos princípios, é certo que outras normas jurídicas neles encontram o seu fundamento de validade. O artigo 261 do CPP (que assegura a necessidade de defensor ao acusado) tem por fundamento os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da igualdade etc..
Os princípios, ademais, não só orientam a interpretação de todo o ordenamento jurídico, senão também cumprem o papel de suprir eventual lacuna do sistema (função supletiva ou integradora). No momento da decisão o juiz pode valer-se da interpretação extensiva, da aplicação analógica bem como do suplemento dos princípios gerais de direito (CPP, art. 3º).
Considerando-se que a lei processual penal admite "interpretação extensiva, aplicação analógica bem como o suplemento dos princípios gerais de direito" (CPP, art. 3º), não havendo regra específica regente do caso torna-se possível solucioná-lo só com a invocação de um princípio.
2. Proporcionalidade e Razoabilidade
De acordo com Humberto Ávila:
"a razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras, notadamente das regras. A razoabilidade é usada com vários sentidos. Fala-se em razoabilidade de uma alegação, razoabilidade de uma interpretação, razoabilidade de uma restrição, razoabilidade do fim legal, razoabilidade da função legislativa."
Isto posto, podemos perceber a amplitude do conceito e de como é importante na aplicação da norma ao caso em concreto, este conteúdo será aprofundado no decorrer deste estudo.
Podemos considerar três acepções da razoabilidade2, a primeira é usada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. A segunda acepção diz respeito ao emprego da razoabilidade como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceira, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas.
Passaremos a tratar destas acepções a seguir.
2. A Razoabilidade como Equidade.
Na primeira acepção a razoabilidade exige a harmonização da norma geral com o caso individual. A razoabilidade impõe, na aplicação das normas jurídicas, a consideração daquilo que normalmente acontece.
Na aplicação do direito, é razoável presumir que as pessoas dizem a verdade e agem de boa-fé, ao invés de mentir e agir de má-fé.
Na interpretação das normas legais deve-se presumir o que normalmente acontece, e não o extraordinário.
A razoabilidade atua como instrumento para determinar que as circunstâncias de fato devam ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade. A razoabilidade atua na interpretação dos fatos descritos em regras jurídicas. Desta forma, exige determinada interpretação como meio de preservar a eficácia de princípios axiologicamente sobrejacentes. Interpretação diversa das circunstâncias de fato levaria à restrição de algum princípio constitucional, como o princípio do devido processo legal.
A razoabilidade exige, ainda, a consideração do aspecto individual do caso nas hipóteses em que ele é desconsiderado pela generalização legal. Em alguns casos, em razão das especificidades, a norma geral não pode ser aplicável por se tratar de caso anormal.
É preciso diferenciar a aplicabilidade de uma regra da satisfação das condições previstas em sua hipótese. Uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em sua hipótese são satisfeitas. Uma regra é aplicável, a um determinado caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela existência de um principio que institua uma razão contrária.
A razoabilidade atua na interpretação das regras gerais como decorrência do princípio da justiça. 3
Assim, analisando essas considerações, podemos concluir que a razoabilidade serve de instrumento metodológico para demonstrar que a incidência da norma é condição necessária, mas não suficiente para sua aplicação. Para que seja aplicável, o caso concreto deve adequar-se à generalização da norma geral.
2.2 Razoabilidade como Congruência
Na segunda acepção a ser considerada a razoabilidade exige a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação.
Os princípios constitucionais do Estado de Direito e o devido processo legal impedem a utilização de razões arbitrárias e a subversão dos procedimentos institucionais utilizados. Para a aplicação da razoabilidade não se pode desvincular-se da realidade.
Essa forma de aplicação também deve ser utilizada em casos em que a norma, concebida para ser aplicada em determinado contexto sócio–econômico, não mais possui razão para ser aplicada.
Não se trata de analisar a relação entre meio e fim, mas entre critério e medida. A eficácia dos princípios constitucionais do Estado de Direito e do devido processo legal soma-se a eficácia do princípio da igualdade, que impede a utilização de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem razão é violar o princípio da igualdade.
2.3 Razoabilidade como Equivalência
A razoabilidade também exige uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.
Não pode haver desproporção entre o direito e o custo a ser pago pelo cidadão, um exemplo que pode ser considerado dentro desta acepção é de que a culpa serve de critério para a fixação da pena a ser cumprida, devendo esta pena ser equivalente à culpa.
Distinção entre Razoabilidade e Proporcionalidade
A razoabilidade exige uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.
O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequando quando promove o fim a que se propõe. Um meio é dito necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais e um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca.
A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de forma que, adotando-se o meio, chega-se ao fim.
A razoabilidade como dever de harmonização do geral com o individual (dever de equidade) atua como um instrumento para determinar que as circunstâncias de fato devam ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade, ou para expressar que a aplicabilidade de regra geral depende do enquadramento do caso concreto. Nessas hipóteses, princípios constitucionais sobrejacentes impõem verticalmente determinada interpretação. Não há, no entanto, nem entrecruzamento horizontal de princípios, nem relação de causalidade entre um meio e um fim.
A razoabilidade como dever de harmonização do Direito com suas condições externas exige a relação das normas com as condições de aplicação, quer demandando um suporte empírico existente para a adoção de alguma medida quer exigindo uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada.
3. Eficácia das Normas constitucionais.
Todas as normas constitucionais apresentam eficácia, que pode ser jurídica ou social.
A eficácia é a capacidade das normas constitucionais produzirem efeitos, e isto pode ser analisado sob dois ângulos:
a) Eficácia social: significa que “a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada aos casos concretos.” – é aquela obedecida, seguida e aplicada, concretizada no seio da sociedade independente da coerção jurídica estatal.
b) Eficácia jurídica: “a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas – significando a simples possibilidade de ser aplicada caso ocorra um fato que a ela se subsuma.
A aplicabilidade da norma implica em ela estar pronta, acabada, disponível para normatizar as condutas porventura concretizadas. Aplicável é a norma que esta apta a produzir efeitos.
As normas constitucionais, conforme estabelece a doutrina, tem níveis diferentes de aplicabilidade, sendo que algumas têm maior ou menor aptidão para produzir efeitos.
Todavia é importante anotar que, por menor que seja o nível de aplicabilidade de uma norma constitucional, ele sempre está presente, nunca é inexistente. Como afirma Araújo e Júnior :
“[...] A norma constitucional, quando menos, possui eficácia sintática, gerando inconstitucionalidade de todos os atos normativos infraconstitucionais incompatíveis com ela, condicionando a interpretação do direito infraconstitucional, revogando os atos normativos a ela anteriores e com ela incompatíveis e, por fim, servindo de limite para a interpretação das demais normas constitucionais que com ela venham a se chocar.”
Abaixo passamos a analisar as principais classificações das normas constitucionais quanto à sua eficácia e aplicabilidade.
Classificação de José Afonso da Silva:
- Normas Constitucionais de Eficácia Plena: São aquelas normas da Constituição que, no momento em que esta entra em vigor, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independente de norma integrativa infraconstitucional.
Tem como características a sua aplicabilidade direta, imediata e integral. Exemplos: art. 14, § 2º, art. 12, I, a CF/88.
- Normas Constitucionais de Eficácia Contida ou Prospectiva: assim como as normas de eficácia plena, as normas de eficácia contida estão aptas a produzir efeitos desde a promulgação da constituição, todavia podem ter reduzido seu alcance pela atividade discricionária do legislador infraconstitucional (DA SILVA, 2007a, p. 116).
Tem como características: a sua aplicabilidade direta, imediata, integral, podendo seu conteúdo ser reduzido por atividade legislativa infraconstitucional. Exemplo: art. 5º, XIII, - exercício de atividade profissional.
- Normas Constitucionais de Eficácia Limitada: São aquelas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não tem o condão de produzir todos os efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional. Produz efeito apenas de vincular o legislador infraconstitucional aos seus vetores.
Tem como características a sua aplicabilidade mediata e reduzida ou diferida. Exemplos: normas declaratórias de princípios programáticos: proteção ao mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX), teto do funcionalismo público (art. 37, XI).
Classificação de Cooley (americano):
- Self-executing: são aquelas que promovem ao destinatário todos os meios necessários para que o direito previsto seja aproveitado e protegido.
- Not self-executing: são aquelas que inexistem meios normativos suficientes para sua efetivação.
Classificação de Zagrebelsky (italiano):
- Normas de eficácia direta: são idôneas por si mesmas para regularem hipóteses concretas
- Normas de eficácia indireta: são aquelas que necessitam ser atuadas ou concretizadas por meio de ulterior atividade normativa. (programáticas, principiológicas e de organização)
Classificação de Maria Helena Diniz:
- Normas supereficazes: normas que não podem ser tangíveis de emenda (Cláusulas pétreas) – art. 60, § 4º
- Normas com eficácia plena: contém todos os elementos imprescindíveis à produção imediata dos seus efeitos.
- Normas com eficácia relativa restringível: correspondem às normas de eficácia contida de José Afonso da Silva.
- Normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação: dependem de lei ordinária ou complementar para o exercício do direito ou benefício consagrado.
Classificação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
- Normas exequíveis por si sós: normas que independem da existência de qualquer complementação para sua aplicação.
- Normas não exequíveis por si sós: dependem de complementação de integração de outra norma infraconstitucional (programáticas – estabelecem políticas públicas, de estruturação – estabelecem órgãos e condicionadas – seriam auto executáveis, mas dependem de lei)
Classificação de Luís Roberto Barroso:
- Normas de Organização: normas que objetivam a criação, estruturação e ordenação dos órgãos públicos, a definição de suas competências e estabelecem normas processuais ou procedimentais de revisão da própria constituição.
- Normas Definidoras de Direitos: são compostas pelos direitos fundamentais (direitos individuais, políticos, sociais e difusos) – Os direitos sociais são divididos em aqueles que: b1) geram situações prontamente desfrutáveis; b2) ensejam exigibilidade de prestações positivas do Estado e b3)contemplam interesses que dependem de regulamentação em lei.
- Normas Constitucionais Programáticas: estabelecem uma linha de ação do estado, são “indicadoras de fins sociais a serem alcançados. Estas normas têm por objeto estabelecer determinados princípios ou fixar programas de ação para o Poder Público.” .
Outras Classificações:
- Normas Constitucionais de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada: são normas que já extinguiram a produção de seus efeitos. São próprias do ADCT (data do Plebiscito)
- Normas de Direito e Garantias individuais: são de aplicação imediata (art. 5º § 1º) – podem ser plenas ou contidas/restringível.
Professor Luiz Antônio, CONTROLE E CONSTITUCIONALIDADE
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