quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Módulo 3 - Poderes da Administração Pública - BASES CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA (ADM), Professor Marcus Vasconcelos

Professor Marcus Vasconcelos

Poderes Administrativos



Modernamente tem sido utilizada a expressão deveres administrativos ou ainda poderes-deveres, deveres-poderes para deixar claro que a administração só é dotada de poderes porque tem o dever de atuar, de exercer a função administrativa para o fim de atender ao interesse público.

Os poderes-deveres são verdadeiros instrumentais para a defesa do interesse público.



Os poderes administrativos são:



- poder normativo

- poder hierárquico

- poder disciplinar e

- poder de polícia

 OBS: A doutrina tradicional ainda menciona o poder vinculado e o poder discricionário. Todavia, entendemos que não existe um poder totalmente vinculado ou discricionário, mas sim atos vinculados e atos discricionários praticados com fundamento nos outros poderes, daí, não iremos seguir tal abordagem.

 a) Poder Normativo

Alguns autores mencionam poder regulamentar em vez de poder normativo. É preferível falar em poder normativo porque o regulamento é apenas uma espécie de ato normativo já que convive com outros atos normativos, como resoluções, portarias, regimentos, instruções etc. De modo que, a expressão poder normativo é mais abrangente e adequada.

O poder normativo é o destinado a prática dos atos normativos. Os atos normativos instituem regras gerais e abstratas, aliás nesse ponto assemelham-se às leis. No entanto, os atos normativos diferenciam-se das leis porque não inovam inicialmente no mundo jurídico já que nos termos do art. 5º, II da CF, são as leis que criam direitos e obrigações.

            O regulamento é o ato normativo mais importante porque é de competência exclusiva dos chefes do poder executivo nas diversas esferas de governo (Presidente da República, governadores e prefeitos).

O regulamento é veiculado pelo decreto, quer dizer, o regulamento é o conteúdo do ato e o decreto é a forma do ato. A propósito, decreto é a forma pela qual são veiculados, exteriorizados os atos praticados pelos chefes do poder executivo, sejam normativos ou concretos. Exs.: decreto regulamentar (ato normativo), decreto de desapropriação (ato concreto).

Em doutrina, costuma-se classificar o regulamento em:

            1º) regulamento autônomo ou independente;

2º) regulamento executivo ou para fiel execução das leis.

            O regulamento autônomo ou independente não se fundamenta em lei prévia e, por isso, inova inicialmente a ordem jurídica. O regulamento executivo ou para fiel execução das leis fundamenta-se em lei anterior e é destinado a explicitá-la.

Nos países em que se admite o regulamento autônomo ou independente, ele só pode tratar de matéria organizativa ou de supremacia especial, quer dizer, ele pode dispor sobre a organização da administração pública ou então estabelecer regras a quem tem um vínculo diferenciado com a Administração Pública, tal como ocorre com os contratados, ou seja, o regulamento autônomo não poderá dispor sobre matéria de supremacia geral submetendo todos os cidadãos.

No Brasil, apesar das divergências, tem prevalecido o entendimento de que o regulamento existente é o executivo ou para fiel execução das leis, conforme art. 84, IV da CF.[1]

A partir da EC/32 de 2001, alguns autores (Maria Sylvia Zanella di Pietro) passaram a defender a existência de regulamento autônomo no direito brasileiro, em matéria organizativa já que o Presidente da República passou a ter competência para dispor mediante decreto sobre organização e funcionamento da Administração Federal quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (art. 84, VI, a da CF).[2]

Diante do exposto, conclui-se que o regulamento regra no Brasil é o executivo, então é preciso entender o que significa explicitar a lei, que é a função do regulamento executivo.

b) Poder Hierárquico

            Os órgãos e os agentes públicos estão estruturados de modo a ensejar uma relação de coordenação e subordinação entre eles num relacionamento de superior a subalterno. Para Celso Antonio Bandeira de Melo “a hierarquia pode ser definida como o vínculo de autoridade que une órgãos e agentes, através de escalões sucessivos, numa relação de autoridade, de superior a inferior, de hierarca a subalterno”.

            Da hierarquia decorrem alguns poderes para o superior hierárquico:

            1) de editar atos normativos de efeitos apenas internos, tais como resoluções, portarias, instruções;

2) de dar ordens e ser obedecido pelos subordinados, salvo as ordens manifestamente ilegais, como por exemplo, a ordem dada a carcereiro para torturar preso.

            3) de fiscalizar os atos do subordinado, podendo anular os atos ilegais e revogar os atos legais por razões de conveniência e oportunidade.

4) de punir o subordinado que pratique infração administrativa.

A hierarquia não existe no poder legislativo e no poder judiciário no que se refere às funções típicas de tais poderes que são, respectivamente, a de legislar e a de julgar. Não obstante a partir da EC 45/04 alguns, como MSZDP, passaram a admitir a existência e hierarquia parcial na função jurisdicional porque, nos termo do art.103-A e §3º[3] da CF, caso o magistrado decida contrariamente a súmula vinculante ou indevidamente a aplique cabe reclamação no STF que julgando-a procedente cassará a decisão judicial e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

            A propósito, a súmula vinculante não obriga só o poder judiciário a sua observância, mas também a administração pública direta e indireta em todas as esferas de governo, cabendo reclamação para atacar ato administrativo que contrariar a súmula ou que indevidamente a aplicar e o STF julgando-a procedente anulará o ato administrativo, nos termos do art. 103-A e §3º da CF.

 c)   Poder disciplinar

            É o que credencia a administração a apurar as infrações cometidas pelos agentes públicos e por demais pessoas submetidas a disciplina administrativa, tal como ocorre com os contratados. No que se refere aos agentes públicos, notadamente os servidores públicos, o poder disciplinar decorre do hierárquico.

            Eventual punição de alguém não submetido a disciplina administrativa tem fundamento no poder de polícia. Ex.: imposição de multa ao estabelecimento poluente, ao motorista infrator etc.

            Costuma-se dizer que o poder disciplinar é discricionário o que deve ser entendido nos seus exatos termos. Primeiramente é preciso saber o que isso não significa. Dizer que o poder disciplinar é discricionário não significa que exista liberdade para a autoridade escolher entre agir ou deixar de agir para apurar a infração cometida diante da noticia de infração a autoridade deve agir sob pena de praticar condescendência criminosa prevista no art. 320 do CP.[4]

 d) Poder de polícia

           Neste tema é possível constatar facilmente, a presença do binômio ou da bipolaridade do regime jurídico administrativo envolvendo as prerrogativas e sujeições.

            O conceito para Hely Lopes Meireles de “poder de policia é a faculdade de que dispõe administração publica para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio estado”.

           Para Celso Antonio Bandeira de Melo: “O poder de policia condiciona a liberdade e propriedade em prol do interesse público”, o autor entende ainda, que não é correto dizer que este poder de policia restringe estes direitos, pois a propriedade e a liberdade somadas aos condicionamentos as restrições ao poder de policia é que formam o perfil destes direitos.

 OBS: O Código Tributário Nacional (CTN) no seu artigo 78, traz um conceito de poder de policia já que seu exercício é um dos fatos geradores da taxa.

            Como exemplos práticos do direito de policia, podemos citar as restrições quanto construção (lei de zoneamento), alimentos em restaurantes (vigilância sanitária) e etc.

 Fundamento

Poder de policia fundamenta-se na supremacia geral da administração publica sobre os administrados, isso decorre da própria supremacia do interesse publico sobre o interesse particular, vale dizer não é necessário que haja um vinculo especial de sujeição do particular administrado para o poder de policia seja exercido, ou seja, que o administrativo seja empregado, funcionário ou etc. como a autuação de infração de trânsito.

Meios de Atuação do Poder de Polícia

O poder de polícia pode ser exercido pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo. O Poder Legislativo cria, por lei, as chamadas limitações administrativas à propriedade e à liberdade.

            O Poder Executivo, no exercício do poder de polícia regulamenta as leis e controla sua aplicação, quer dizer, expede ora atos normativos, ora atos concretos.

            Os atos concretos podem ser preventivos ou repressivos, conforme se destinem a evitar um dano ao interesse público, ou a cessar eventual dano a esse interesse. Assim, como exemplo  são atos preventivos do poder de polícia a fiscalização, a concessão de licenças e autorizações; e são atos repressivos o embargo de obra, a interdição de estabelecimento a apreensão de mercadorias deterioradas, etc., bem como o exercício do poder de polícia pelo executivo também é conhecido como polícia administrativa.

            Modernamente o poder de polícia refere-se aos mais variados setores da administração pública, tais como, segurança, saúde, educação, meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico e cultural etc.

 Características ou atributos do poder de polícia

            São atributos ou características do poder de polícia a discricionariedade, a auto executoriedade, e a coercibilidade.

 i) Discricionariedade: se considerarmos a atuação do legislativo, é correto dizer que o poder de polícia é discricionário, porque na definição do conteúdo da limitação administrativa, o legislador tem liberdade de atuação de modo que ele poderá criar uma limitação mais ou menos abrangente, conforme entenda ser o razoável para as situações descritas.

            Quanto a atuação do executivo, no mais das vezes, ela é discricionária porque a lei costuma dar à autoridade administrativa certa liberdade de atuação, possibilitando, por exemplo, que ela escolha qual a sanção que melhor reprime a infração cometida, caso em que a autoridade deverá se pautar pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em sua atuação.

            Não obstante, existem atos vinculados do poder de polícia, como é o caso da licença para construir, para dirigir.

            A licença deve ser deferida ao administrado que preencher os requisitos legais à sua obtenção, não podendo ser negada. Diz-se, então, que a licença tende a direito subjetivo de quem requer.

            A licença contrapõe-se à autorização do poder de polícia porque a autorização é discricionária e pode ser negada por razões de interesse público, mesmo que o interessado tenha preenchido eventuais requisitos legais, por exemplo, autorização para porte de arma. Diz-se, então, que a autorização atende a mero interesse de quem requer.

 ii) Auto executoriedade: Pela auto executoriedade, a administração pode por em prática as suas decisões por seus próprios meios, isto é, diretamente, sem precisar buscar autorização prévia no poder judiciário.

 Assim, por exemplo, ela apreende mercadorias deterioradas, multa fábrica poluente, interdita estabelecimento etc. Quanto a multa, a administração pode impô-la, mas a cobrança depende do ajuizamento de execução, nos termos da lei 6830/80.

            Há quem desdobre o atributo da auto executoriedade em: exigibilidade e executoriedade.

            Pela exigibilidade a administração põe em prática o que decidiu independentemente da autorização do judiciário e pode usar meios indiretos de coação. Ex.: notificação do munícipe a limpar seu terreno sob pena de multa.

            Pela executoriedade, a administração pode executar diretamente as decisões tomadas, podendo até mesmo usar meios diretos de coação, se necessário e na medida do necessário.

            A executoriedade pressupõe a exigibilidade e por ser mais gravosa do que a exigibilidade só é admitida se: 1) houver previsão legal; 2) houver razão de urgência que determine a necessidade da medida para o fim de resguardar o interesse público.

            Quanto a multa do poder de polícia, ela é exigível, tanto que será cobrada em execução fiscal. Todavia, ela não é executória, justamente porque sua cobrança depende de ajuizamento de execução. Para quem não desdobrar o atributo da auto executoriedade, a resposta é a de que a multa não é auto executória.

 iii) Coercibilidade: Pela coercibilidade, a administração pode impor coativamente aos administrados as medidas adotadas, usando até mesmo de força física, se necessário. A bem da verdade, a coercibilidade e a auto executoriedade estão intimamente relacionadas, não podendo ser apartadas.

       

[1] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel

execução;

[2] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

[3] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 3o Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial.

[4] Condescendência criminosa Art. 320. Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Blog "JUDICIALMENTE"

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