Das obrigações divisíveis e indivisíveis.
Obrigações simples: um credor, um devedor, um objeto.
Obrigações complexas: multiplicidade de pessoas e/ou de objeto.
Multiplicidade de objeto: obrigações conjuntivas, facultativas ou alternativas (vide aulas anteriores).
Neste ponto examinaremos as obrigações complexas com multiplicidade de sujeito.
Se há mais de um credor ou mais de um devedor, é preciso verificar se a obrigação se divide ou não em partes. Divide-se a obrigação em tantas obrigações independentes quantas forem as partes, conforme a regra “concurso partes fiunt”. Cada credor recebe a sua parte da prestação e cada devedor paga a fração correspondente ao seu débito. É a regra do art. 257, CC/ 02.
Obs.: é chamada de obrigação conjunta a que apresenta pluralidade de sujeito (chamamos de obrigação conjuntiva a que tem pluralidade de objeto, sendo cumulativa).
Ocorre que por vezes não é possível aplicar a regra supra descrita, de divisão do objeto pelo número de devedores e/ou de credores do vínculo obrigacional.
Verificaremos, portanto, as exceções à regra exposta acima:
1. Indivisibilidade: pela natureza do objeto (que não pode ser repartido) é possível que haja vários devedores, e qualquer um deles seja obrigado a entregar por inteiro a prestação. E mesmo com vários credores, deve ser paga a um só a prestação. Ainda que cada credor só tenha direito à sua parte, e ainda que o devedor só precise, na realidade, pagar a sua parte.
2. Solidariedade: pela lei ou por convenção, o objeto aqui é divisível, mas cada devedor (na solidariedade passiva) pode ser compelido a entregar o todo. Na solidariedade entre credores (solidariedade ativa), cada um dos credores pode receber o todo.
Obs.: se a obrigação é simples o objeto é devido por inteiro, pelo devedor, e não há por que indagar se é divisível ou indivisível. Quando é complexa a obrigação, faz-se necessário o exame da indivisibilidade ou da solidariedade.
Obrigação indivisível:
É indivisível a obrigação quando for indivisível seu objeto, pela própria natureza. É indivisível o objeto que, se repartido, os valores das partes em separado, ainda que existam, não alcançam, somados, o valor do todo.
Então: um relógio, uma gravata, um sofá, um quadro, um cavalo de corridas, são indivisíveis, tornando indivisível a obrigação de entregar (dar, restituir) tais objetos.
São indivisíveis os bens quando o objeto pode ser repartido, mas tal repartição implica em diminuição de valor. Um relógio de ouro ao ser repartido pode até dar ensejo a pedaços de certo valor, mas as partes, reunidas, não alcancem o valor do todo (original).
Vimos que a indivisibilidade decorre da natureza do objeto. Mas excepcionalmente pode decorrer da lei ou da vontade das partes. Pode ser pactuada a indivisibilidade de um imóvel rural, por exemplo. Ou as partes estabelecem para a garantia do credor que certa prestação em dinheiro é indivisível, e pode ser cobrada integralmente de cada devedor.
A indivisibilidade sempre favorece o credor que, podendo exigir a prestação de quaisquer dos devedores, a exige do mais capaz em pagá-la.
Podem ser indivisíveis obrigações de dar, fazer ou não fazer.
Na obrigação de dar, quando se encomenda de duas pessoas uma tela de Chagall, não é intuito do credor receber a parte ideal – a obrigação é indivisível. O mesmo ocorre com um apartamento.
Obrigação de fazer: a elaboração de certo projeto de arquitetura, por exemplo, é obrigação indivisível; o mesmo ocorre com a obrigação de outorgar escritura.
Obrigação de não fazer indivisível: não exploração de comércio em certo bairro – não é possível cumpri-la ou descumpri-la em parte.
A obrigação de fazer fungível é divisível. Ex.: três devedores cuja prestação seja de fertilizar cinco Km de terra.
Efeitos da indivisibilidade da prestação (se for divisível, a obrigação se divide em tantas obrigações quantos forem os credores ou devedores – “concursu partes fiunt”; art. 257, CC/ 02).
1. Caso de pluralidade de devedores: cada devedor é obrigado pela dívida toda (art. 259, CC/ 02). Ex.: dois indivíduos devem conseguir certa estátua para um museu.
Obs.:
a) Cada devedor só deve parte da dívida. Então, ao pagar, o devedor se sub-roga (259, parágrafo único, CC) no direito do credor, em relação aos demais codevedores.
b) Se a obrigação for indivisível, cada devedor pode ser compelido a satisfazê-lo por inteiro. Caso a obrigação se converta em perdas e danos por força do inadimplemento, torna-se divisível (art. 263, CC). O objeto pode ser indivisível, em espécie, mas o dinheiro é sempre passível de divisão.
As perdas e danos é responsabilidade de quem teve culpa no descumprimento da obrigação (art. 263, §§1º e 2º do CC).
2. Caso de pluralidade de credores: cada credor pode exigir a dívida por inteiro. Mas o(s) devedor(es) só se desobriga(m) quando:
2.1– Pagam a todos os credores conjuntamente. Isso porque se só um credor recebe (e há quitação), os demais ficam sem garantia. Os cocredores, então, não têm direito apenas de exigir o pagamento do credor (o que ocorre na obrigação solidária) que recebeu a prestação indivisível, mas, também , têm direito de exigir do devedor. Este paga a todos , ou paga a um credor autorizado pelos demais credores.
2.2– O pagamento pode ser a um cocredor, se este der caução (garantia) de ratificação dos outros credores. Assim, os demais credores com a caução garantem o seu crédito. Art. 261, CC. Se apenas um dos credores receber a prestação inteira, a cada um dos demais assiste o direito de exigir daquele, em dinheiro, a parte que lhe caiba no total – art. 261, CC/ 02.
Da extinção da obrigação para um dos cocredores (remissão, novação, compensação, transação ou confusão):
Cada um dos cocredores tem direito apenas a uma parcela da prestação – se recebe a prestação total é por causa da indivisibilidade do objeto (ex.: um livro).
Havendo remissão, transação, novação, compensação ou confusão da dívida em relação a um dos devedores, o devedor perdoado aproveita. Os cocredores, ao receberem o objeto indivisível, devolvem ao devedor, em dinheiro, a parcela perdoada (do credor remitente).
Ex.: Quando se deve máquina fotográfica a três credores e um dos credores efetua a remissão, como a máquina é indivisível, os outros dois credores a exigem, mas devolvem em dinheiro ao devedor a parte do crédito do credor remitente.
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Das obrigações solidárias:
Solidariedade - mais de um credor ou mais de um devedor: cada um com direito ou obrigado à dívida toda.
A SOLIDARIEDADE representa exceção à regra de que a obrigação se reparte em tantos quantos forem os sujeitos. Aqui, cada credor exige do devedor a totalidade da prestação; ou cada devedor paga a um cocredor a dívida integral (art. 264, CC).
Solidariedade ativa e solidariedade passiva.
1.Solidariedade ativa: vários credores. Cada um exige do devedor comum a dívida por inteiro (art. 267 e s., CC). Cada credor só tem direito a parte da prestação mas, por causa da solidariedade, pode exigi-la por inteiro.
2.Solidariedade passiva: vários devedores. O credor exige de cada um deles a dívida por inteiro (art. 275 e s., CC).
Solidariedade: reunião de relações jurídicas autônomas.
Consequência da solidariedade:
a) Solidariedade ativa: o pagamento parcial feito a um dos credores deve ser rateado por todos, se o devedor se tornou insolvente.
b) Se o devedor não solidário se tornar insolvente, o credor sofre a perda, pois não se pode reclamar o pagamento dos demais devedores. Se houver solidariedade passiva, o credor pode exigir pagamento dos demais devedores, caso um se torne insolvente.
Distinção entre obrigações solidárias (reembolso) e indivisíveis (sub-rogação):
Solidárias: decorre das partes ou da lei. Se for descumprida e se verter em perdas e danos, continua solidária.
Indivisíveis: decorre da natureza do objeto. Convertida em perdas e danos, torna-se divisível (art. 263, CC).
Quando paga a dívida em obrigação indivisível, o devedor se sub-roga nos direitos do credor, para cobrar o que pagou dos demais codevedores. Na solidariedade, o direito do codevedor que paga a totalidade da dívida é apenas de reembolso, em relação aos demais codevedores.
Vantagens da solidariedade:
Solidariedade passiva é garantia do credor. É comum porque geralmente é o credor quem dita as regras do negócio.
Fontes da solidariedade:
A solidariedade não se presume. Decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265, CC/ 02).
Na doutrina italiana, a solidariedade se presume, e só não se afastada por vontade das partes ou pela lei.
Solidariedade convencional: decorre da vontade das partes. A vontade deve ser expressa, sem deixar ensejo a dúvida. Decorre do contrato ou do testamento.
Solidariedade legal (entre co-locatários; dos cônjuges; entre cofiadores): decorre da lei.
É solidária, ainda como exemplo, a obrigação dos devedores de indenização por ato ilícito, como pena (942, CC/02). A solidariedade aumenta a garantia do credor e pune o autor do ato ilícito ou as pessoas por ele responsáveis.
Solidariedade ativa: é rara.
Cada credor pode exigir do devedor a prestação integral. O devedor se libera da dívida pagando qualquer dos credores. É inconveniente porque se só um credor recebe e se torna insolvente, os demais não recebem nada (podiam exigir o rateio mas não podem mais, por causa da insolvência – do credor).
Mandato:
Substitui a solidariedade ativa, assumindo a única vantagem que é a de receber a totalidade da dívida, evitando a cobrança parcelada, com vantagens adicionais: responsabilidade do mandatário mais a possibilidade de revogação ad nutum do mandato.
Ex.: contas conjuntas – credores solidários.
Cada credor só o é de parte da prestação e, se a recebe inteira, deve oferecer aos cocredores os quinhões a eles correspondentes.
O mesmo ocorre em caso de novação, compensação ou remissão.
Falecimento de credor solidário: cada um dos seus herdeiros recebe apenas uma fração do direito creditório. Não pode o herdeiro exigir e receber a totalidade da prestação, como podia fazê-lo o “de cujus”. Cada herdeiro só pode cobrar a parte do crédito correspondente ao seu quinhão hereditário, salvo se prestação for indivisível (art. 270, CC).
Não é que com a morte do credor solidário desaparece a solidariedade, mas cada herdeiro só pode cobrar a sua parte (seu quinhão).
Caso haja apenas um herdeiro (fica no lugar do “de cujus”, como credor solidário), pode cobrar a prestação integral. E se os herdeiros agirem em conjunto, também podem cobrar a prestação integral.
Solidariedade passiva (art. 275, CC/02):
Vários devedores, e o credor pode exigir de um ou de vários deles o pagamento da dívida, parcial ou totalmente.
Requerendo o pagamento parcial de um dos devedores, o credor pode requerer o resto dos demais, que continuam solidários (art. 275, CC/02).
Obrigação solidária é fusão de várias obrigações individuais e autônomas, de cada um dos devedores. Por isso, apesar da solidariedade, um codevedor não pode prejudicar os demais. Então, se um devedor aumentar a taxa de juros, ou abreviar o termo do (antecipar o) vencimento, não vincula a tais reajustes os demais codevedores (arca sozinho com os ônus). Art. 278, CC/02.
Solidariedade passiva é fusão de obrigações autônomas – a relação jurídica apresenta um lado externo, onde o conjunto dos devedores forma um único devedor, pois dele pode o credor exigir a totalidade do crédito; e um lado interno, onde cada devedor tem a sua obrigação, individual ou autônoma.
Por isso, a regra do art. 281, CC/02, segundo o qual o devedor demandado não pode opor as exceções (defesas) pessoais dos outros. Só pode opor as suas (ex.: compensação) e as de todos (ex.: prescrição).
Se só houvesse uma relação jurídica a exceção de um devedor seria a de todos, bastando a sua oposição ao credor para suspender a cobrança.
Execução da obrigação por um dos devedores solidários:
O devedor demandado pelo pagamento integral da dívida, como na realidade só deve a sua parte, sofre um empobrecimento em favor dos demais codevedores, e pode requerer o reembolso de cada codevedor, relativo à quota de cada um.
Art. 283, CC/02: se um codevedor estiver insolvente, os demais codevedores repartem a quota do insolvente, restituindo-a ao devedor que foi demandado e pagou a dívida inteira.
Art. 284, CC/02: até os codevedores exonerados da solidariedade pelo credor ratearão a quota do codevedor insolvente.
Art. 285, CC/02: se a dívida solidária interessar somente a um dos codevedores, como por ex.: o locatário é o único interessado no pagamento, embora o fiador possa ser solidário, o devedor interessado (inquilino) fica obrigado a reembolsar o codevedor não interessado (fiador). Isto porque a obrigação solidária é reunião de obrigações autônomas.
Execução parcial da obrigação solidária por um dos codevedores:
Quando o credor exige ou recebe do devedor escolhido parte da prestação – a solidariedade persiste, vinculando os demais obrigados. Mas o credor só pode cobrar o restante (o saldo remanescente) dos outros devedores (art. 277, CC).
O mesmo ocorre se o credor perdoa (remissão) um dos devedores – só pode cobrar o saldo remanescente, dos demais.
Isso porque o perdão da dívida é, como o pagamento, meio de extinção da obrigação.
Renúncia à solidariedade:
Não pratica remissão o credor que renuncia à solidariedade. Apenas deixa de ter vantagens, e só pode cobrar de cada devedor a sua cota.
A renúncia à solidariedade pode se referir a todo os devedores ou apenas a alguns deles.
- Renúncia total (a todos os devedores) - a solidariedade desaparece e a obrigação se divide em tantos quantos forem os devedores – regra “concursu partes fiunt”.
- Renúncia parcial – a relação jurídica se divide: parte dos devedores só respondem por sua quota (obrigação simples de cada devedor) e a outra parte responde solidariamente.
O credor para demandar o devedor solidário não deve abater do débito a parte do devedor exonerado da solidariedade. O fundamento está no art. 282, parágrafo único do CC.
Obs.: art. 912, parágrafo único do CC/1916 era incorreto. Falava em abater a parte do devedor exonerado da solidariedade quando da cobrança de outro devedor ainda solidário. Ocorre que a dívida do exonerado permanece. Só está extinta, para o exonerado, o fato da solidariedade.
1.Inadimplemento da obrigação solidária:
Seja a cobrança em juízo ou não – se o credor não recebe, pode demandar outro devedor solidário. O credor reclama até receber o pagamento (no direito romano, cobrado um dos devedores, os demais estavam liberados).
1.1- Se a obrigação se impossibilitar:
a) Por força maior: os codevedores se livram da obrigação. Esta se extingue. Ex.: o objeto a ser entregue perece por força maior.
b) Por culpa de um dos obrigados (devedores): o credor recebe o equivalente da prestação, mais as perdas e danos. O equivalente da prestação é por todos devido, mas as perdas e danos só são devidas pelo codevedor que culposamente impossibilitou a obrigação. Isso porque um dos codevedores não pode agravar a obrigação dos coobrigados voluntariamente (art. 278, CC), e, obviamente, portanto, não pode agravar a obrigação dos coobrigados por ato ilícito.
Mora: quando o devedor não paga no tempo certo, lugar certo ou forma certa, conforme convencionado.
O efeito da mora é gerar a responsabilidade do culpado pela reparação das perdas e danos a que der causa. Se a prestação for pecuniária, o prejuízo é representado pelos juros que fluírem durante o retardamento.
Não só o devedor que ocasionou a mora responde pelas suas consequências (ex.: pelos juros), mas sim todos os devedores solidários – para a maior proteção de credor. Conforme art. 280, CC.
E os demais devedores não culpados pelos juros podem pleitear do culpado o reembolso.
Dos efeitos da morte do devedor solidário:
Herdeiros reunidos ficam no lugar do codevedor, podendo o credor cobrar deles a totalidade da dívida. O mesmo se pode dizer em relação ao espólio.
Mas cada herdeiro só deve uma fração, e, portanto, separadamente não pode ser obrigado a pagar a dívida integralmente, mas, apenas, parte do débito – correspondente à sua participação na herança – art. 276, CC. Salvo se a obrigação for indivisível.
RESPONSABILIDADE CIVIL, Professor Helio Thurler
Professor Helio Thurler |
Blog : "Estudando A Lei"
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